UNIRIO
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Centro de Letras e Artes
Departamento de Teoria do Teatro
Crítica Teatral Ensaística (CTE - 2008.1)

1.8.10

Blog em listagem

Queridos
Dando uma vasculhada pela internet, descobri que este nosso espaço de discussão, criado por conta da disciplina CTE, foi inserido em um levantamento sobre blogs na internet que tematizam a crítica teatral e seus desdobramentos. Esse trabalho foi desenvolvido por Helena Mello, sob orientação do crítio Edélcio Mostaço, na UFRGS. Bacana né...

O link é este: http://sobrecriticateatral.blogspot.com/p/catalogo-de-blogs.html


Bjs a todos!!!!

16.1.09

Reforma Ortográfica: você sabe o que vai mudar?

Há muito tempo que não coloco nada de novo aqui. Estava com uma certa saudades de escrever aqui. E por falar em escrever, em 2009 teremos a implantação da reforma ortográfia da língua portuguesa, o que significa que teremos que nos adaptar e alterar a nossa forma de escrever. Pensando sobre o assunto, resolvi postar aqui um resumo bem simplificado do que vai mudar. Nem que seja só por curiosidade, vale a pena olhar para termos uma ideia (sem acento mesmo, segundo as novas regras da ortografia) do que muda.
Espero que possa ser útil.









Fonte: Folha de São Paulo.










28.8.08

Na ativa!!!

Esse blog não pode parar...É o espaço para nossas reflexões, indignações, comentários e dicas de teatro, nossa arte tão apaixonante quanto polêmica.
"Postêmo-nos!"

9.7.08

PETER BROOK: UM HOMEM DO SÉCULO XXI

Por Verônica Fernandes


“O mundo de hoje nos oferece novas possibilidades. Este grande vocabulário humano pode ser enriquecido por elementos que nunca estiveram juntos no passado. Cada raça, cada cultura pode trazer sua própria palavra para uma frase que una a humanidade. Não há nada mais vital para a cultura teatral do mundo do que o trabalho conjunto de artistas de diferentes raças e origens.”
Peter Brook[1]

Como estudante de teatro, uma de minhas grandes inquietações, é a comunicação com a sociedade. De que forma no mundo em que vivo: interligado e ao mesmo tempo individualista, posso me expressar sem ter a sensação de que a minha tentativa é sem sentido ou inútil, como posso ter como meio de expressão artística uma arte que é prioritariamente coletiva num mundo individualista? Durante o percurso deste semestre, tive a oportunidade de entrar em contato com a estética de Kant, e começar a compreender a noção de Belo, e perceber o quanto minha idéia acerca do Sublime era equivocada, essas questões desenrolaram um verdadeiro novelo de idéias e reflexões acerca da arte, me senti impelida a entender aquele com quem eu quero falar. Ao perceber que não basta saber que o homem contemporâneo é individualista, fui em busca de compreender o processo pelo qual estamos passando ao longo deste “grande período histórico”, para tanto, se tornou essencial entender o sistema de comunicação de nosso tempo que está dentro do nosso quarto, a internet e seus reflexos no homem. Continuando o semestre, encontrei os readymades de Duchamp, com seu caráter libertador em torno do pensamento artístico, transpondo os limites da arte. Entrei em contato com o conflituoso Artaud, questionando as formas teatrais, exatamente no que se refere à capacidade ou a incapacidade de se comunicar com a “massa” e entre todas essas questões, a performance já se mostrava a mim como uma linguagem extremamente atual, por suas características conceituais; estreitamento entre arte e vida e uma decorrente interatividade, porém com características individualistas. E é nesse momento que encontro Peter Brook, considerado o maior encenador do século XX, mas que a mim se revelou ainda muito relevante hoje, no século XXI, pois ao ler “O Peixe Dourado”, ensaio que compõe seu livro “A Porta Aberta”, compreendi a comunicação como sendo sim, uma das grandes chaves da expressão teatral. Pelo fato de que, por mais que estejamos vivendo e nos relacionando intermediados pela tecnologia sempre haverá algo que liga as pessoas, é a necessidade do contato humano verdadeiro e no teatro esse contato é a condição para a arte acontecer, no “momento presente” que segundo Peter Brook é um mistério. É como se nesse momento da minha “errância teatral” eu me reencontrasse em Peter Brook, com seu multiculturalismo, completamente de acordo com a realidade de um mundo interligado, procurando se comunicar, na superfície de uma “base comum”. “[...] sentimento que conduz à paixão, paixão que transmite convicção, convicção que é o único instrumento espiritual capaz de fazer os homens se preocuparem uns com os outros.” [2].
Assim, parto da comunicação para tentar percorrer pelo ensaio de Brook, pois além de ser o ponto que converge os meus questionamentos, é também a questão que permeia todo o ensaio, quando fala na rede de pesca e o peixe dourado, ao citar Shakespeare e ao falar sobre o nosso tempo. Na busca pela comunicação, Peter Brook coloca que o “momento presente” compreende uma “experiência coletiva”, e para isso é necessário que haja uma “base comum” para que cada indivíduo na platéia possa compartilhar essa experiência que se dá em diversos níveis de compreensão. Refletindo sobre a experiência coletiva, percebo que o termo multiculturalismo termina por reunir em seu conceito, os sentidos de: momento, coletividade, interatividade e heterogeneidade, porque quando trabalha com a matéria-prima do teatro, o ator, oriundo de diferentes lugares, com diversos referenciais de cultura, modos, crenças, Brook favorece a coletividade, caminhando através da diferença, em busca da comunicação em direção a uma “base comum”.
Para Peter Brook, “Shakespeare não faz concessões em nenhum dos extremos da escala humana. Seu teatro não vulgariza o espiritual para que o homem comum o assimile mais facilmente, nem rejeita o sujo, o feio, o violento, o absurdo e a gargalhada vulgar. Passa de um a outro sem esforço, momento a momento, enquanto numa grande investida vai intensificando a experiência, até que toda a resistência explode e a platéia se defronta subitamente com um instante de aguda percepção da textura da realidade.”[3], enxergo nessa colocação a capacidade, tão anunciada, que Shakespeare tem de comunicar com todos os universos sociais, entendo como conseqüência natural, a freqüência do autor na estrada artística que o encenador trilha. Esta mesma citação me remete a um outro ponto abordado através da metáfora de “O Peixe Dourado”, onde Brook se refere ao trabalho do ator, como sendo o mesmo de um pescador que tece a sua rede, o que vai determinar que tipo de peixe irá pescar, é o seu “esmero” a sua “intenção”. Construindo a textura da obra teatral o ator tem em mãos a responsabilidade de se comunicar e ser o interlocutor de toda uma equipe, idéias coletivas voltadas para uma coletividade e ao mesmo tempo é a idéia de cada artista envolvido com a obra, comunicando a cada indivíduo presente na platéia. Novamente eu volto a multicultura, pois seu princípio viabiliza a concretização de uma experiência coletiva preservando, não o individualismo, mas a individualidade. Ao falar a respeito da constatação, quando em viagem pela Europa, de uma falta de interesse do homem pelo teatro, pondera que a obra teatral precisa acompanhar a “pulsação de seu tempo”, então depreendo que “o momento presente” além de significar o instante da obra, também ganha o sentido do agora, o momento que estamos vivendo, é o nosso tempo, o nosso presente.
O que me faz refletir sobre o século no qual vivemos, onde encontrei na performance uma linguagem que sintoniza com nosso “momento presente”, e o uso de multimídia, se revela como um dos pontos chave, totalmente em acordo com esse sujeito contemporâneo interligado a todo o tempo. Não é de hoje, que Peter Brook, experimenta uma linguagem que não é cinema, mas também não pode ser considerado como teatro pelo simples princípio de que para o teatro acontecer é necessário, o contato entre as pessoas. Ao repensar a peça com essa finalidade, ele transmuta a linguagem teatral, tentando manter a idéia da encenação, o resultado estará imortalizado através da tecnologia, disponível em todo o mundo através dos DVD´s e também da internet. Mas o que me chama a atenção para este trabalho é que ao transmutar a linguagem teatral, será que Peter Brook não cria uma espécie de “performance”, da obra original?

Enquanto forma o ensaio de Brook, se revela livre, como um ensaio deve ser, ele foi escrito para ser falado, desenvolve seu discurso, da mesma forma que defende o espetáculo teatral: uma sucessão de momentos que levam a um momento de maior interesse. E nesse jogo, que ele estabelece com os ouvintes/leitores, ele revela um pouco sobre o teatro do qual está falando. Um homem da prática, que reflete o teatro e o vivencia, não percebo o que vem em primeiro lugar, se suas reflexões teóricas sendo postas em teste na prática, ou se sua prática é que produz as reflexões teóricas. É uma sucessão entre a experiência prática e reflexiva, uma após a outra, construindo a “textura” do seu fazer teatral.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BROOK, Peter. “A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

[1] “O Peixe Dourado” In. ___A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro; pág. 80.

[2] Idem; pág. 68.
[3] Idem; pág. 73

Performance: linguagem de vida e arte

Por Verônica Fernandes

“Se a sociedade de amanhã ainda considerar que a experiência estética é a única capaz de garantir uma experiência individual livre e reativa com o mundo, e realizar essa experiência com os meios de seu sistema, a arte já não se fará com o pincel ou a argila, mas, enquanto memória e pensamento da arte, influirá positivamente sobre os novos modos de experiência estética. Lembremos que a arte, em todo o seu passado, foi um modo de experiência individual, um trabalho manual transposto numa comunicação conceitual. Numa sociedade de cultura de massa, o pensamento e a memória da arte também poderão ser, se estiver salvaguardada a liberdade dos indivíduos, os impulsos criativos que, provindo das profundezas da história, haverão de gerar uma experiência individual recapituladora, porém não destruidora, da experiência coletiva.”
Giulio Carlo Argan[1]

Este parágrafo final do capítulo “A crise da obra de arte como ciência européia” de “A arte moderna” me faz pensar sobre as possibilidades do homem se expressar artisticamente que se revelaram no século XX, e de que maneira elas se refletem na arte contemporânea.
No ano de 1917, Marcel Duchamp “escolheu” um mictório de louça utilizado em sanitários masculinos, e enviou ao “Salão da Associação de Artistas Independentes”, com o sugestivo título de Fonte, mais tarde nos anos 50 repetiu a experiência e nesse momento “sua escolha” foi instituída como obra de arte. Quando propôs o ready made, Duchamp estava lançando as bases para uma aproximação radical entre vida e arte e rompendo com seus limites, quer dizer trazendo a noção de que arte não estaria limitada ao ato de “fazer”, de “construir”, mas que poderia abranger o pensamento, a “escolha” do sujeito. Esse deslocamento do objeto cotidiano, “a priori” não reconhecido como artístico, para o campo das artes, para muitos significa radicalizar um gesto banalizante da arte, no entanto, em “Kant depois de Duchamp”, Thierry De Duve afirma que “Com o readymade, a passagem do julgamento estético clássico para o julgamento estético moderno é trazida à tona, com a substituição de “isto é belo” por “isto é arte”. Afirmar que uma pá de neve é bonita (ou feia) não a transforma em arte, e a frase mantém seu caráter de julgamento estético clássico de gosto, referente ao design da pá de neve.” Essa escolha então se mostra como um olhar do artista, em direção à vida cotidiana, um novo olhar para o mundo do qual faz parte, talvez eu possa afirmar que é uma resposta do artista as mudanças na ordem econômico/social que se estabeleciam e se faziam irremediáveis. Mas o aspecto que me interessa é seu caráter libertador em torno do pensamento artístico e a transposição de limites dos territórios da arte; a invenção de novos sentidos para o mundo estimulando a nossa imaginação.
Deste modo percebo que a performance é uma linguagem que parece traduzir muito bem o deslocamento de “Isto é belo” para “Isto é arte” colocado por De Duve, e o estreitamento entre arte e vida. Segundo Richard Schechner[2], “no século XXI as pessoas têm vivido como nunca antes, através da performance”, para ele a performance é um ato que está relacionado à: “Ser”, “Fazer”, “Mostrar-se fazendo” ou “Explicar ações demonstradas”. Schechner traça um paralelo entre o ato performático artístico e cotidiano. Na vida se trata de um “comportamento restaurado” que requer anos de treinamento do indivíduo, desde gestos cotidianos simples, “como escovar os dentes”, até ações mais complexas que exigem de nós uma constante reflexão, como nos relacionar socialmente. O ato performático artístico também exige do sujeito um constante treinamento e passa por uma reflexão. Outro aspecto que reforça a idéia de Schechner, do homem hoje viver através da performance, é o seu convívio com os recursos midiáticos, “performamos” na internet através das webcams, youtube e orkut, assistimos à “notícias-show”, “restauramos comportamentos”. Renato Cohen esclarece em seu, “Performance como linguagem” que “A performance, na sua própria razão de ser, é uma arte de fronteira que visa a escapar às delimitações, ao mesmo tempo em que incorpora elementos das várias artes” o uso de multimídia, e recursos tecnológicos estão presentes reforçando seu aspecto de “arte de fronteira”, num contínuo movimento de ruptura com a arte estabelecida. É válido lembrar que o ato performático, enquanto expressão artística está ligado aos happenings, que tem no estreitamento entre arte e vida um de seus ideais, mas Renato Cohen esclarece as diferenças entre as duas linguagens, afirmando que a performance caminha em direção a um “aumento de esteticidade obtida através do aumento de controle sobre a produção e a criação – em detrimento de espontaneidade e um aumento de individualismo – com maior valoração do ego do artista – em detrimento do coletivo e do social, privilegiados no happening”. Sua linguagem abarca elementos que sintonizam com o mundo contemporâneo; o uso de novas mídias, uma estrutura fragmentada – que poderia refletir a fragmentação do próprio homem – expressão cênica e plástica, pluralidade, e um caráter mais “individualista”, me parecem de acordo com o homem que ao interagir com o mundo através da internet, se isola na frente de seu computador. Uma última citação de De Duve, “A antinomia do julgamento estético moderno está, portanto, resolvida. Tese. A afirmação “isto é arte” não se baseia no conceito de arte, mas no sentimento estético/artístico. Antítese. A afirmação “isto é arte” assume o conceito de arte, assume a Idéia estético/artística. Na tese, “conceito” refere-se à um conceito determinado que deveria ser afirmado teoricamente, e “sentimento”, a todos os sentimentos envolvidos no amor à arte, Na antítese, “conceito” não se refere a um determinado conceito de entendimento, mas, sobretudo, à Idéia indeterminada de razão.”
“Aumento de esteticidade”, “sentimento estético/artístico”, “idéia estético/artístico”, essas colocações me fazem refletir a arte contemporânea com toda a sua pluralidade. Se o artista, enquanto sujeito crítico, pode criar sua obra a partir de um conceito, e o belo já não é mais o centro da questão, o artista performático seja ele oriundo das artes plásticas ou das artes cênicas, estará criando, não necessariamente numa tela (no caso do artista plástico) ou através de um personagem (no caso do ator). Poderá fazer-se parte de sua obra, pois o que ele tem a comunicar é o seu pensamento crítico em relação ao que sua percepção está captando do ambiente social. Da sua obra de arte faz parte o ser que é; determinado por sua visão de mundo, o que ele enxerga, enquanto homem pertencente a essa sociedade, como se relaciona a partir de sua visão e como transforma isso em arte através de si. Vida e arte com limites estreitos, numa linguagem da qual a própria vida já se apropriou, a obra de arte refletindo o entendimento, ou o não-entendimento acerca do sujeito contemporâneo, seu modo de vida e as mudanças que o momento em que vivemos provocou em nossas percepções.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DUVE, Thierry De. Kant depois de Duchamp. Revista do Mestrado em História da Arte EBA. UFRJ, 2º Semestre 1998.
SCHECHNER, Richard. O que é performance? Revista O Percevejo. Ano II, 2003, nº12
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992.

[1] "A crise da obra de arte como ciência européia" In: ___ Arte moderna. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992. pág. 593

[2] In: O que é performance? Revista O Percevejo. Ano II, 2003, nº12. pág. 25.

5.7.08

Na BR-3

Por Raphael Cassou
“A gente corre na BR-3
A gente morre na BR-3
Há um foguete
Rasgando o céu, cruzando o espaço
E um Jesus Cristo feito em aço
Crucificado outra vez
E a gente corre na BR-3
E a gente morre na BR-3
Há um sonho
Viagem multicolorida
Às vezes ponto de partida
E às vezes porto de um talvez
E a gente corre na BR-3
E a gente morre na BR-3
Há um crime
No longo asfalto dessa estrada
E uma notícia fabricada
Pro novo herói de cada mês.”

BR-3: Música de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar


Cena de BR-3 no rio Tietê em São Paulo.

Existem pontos em comum em uma cidade planejada, uma cidade fronteiriça e um bairro periférico da maior cidade do país? Partindo desta indagação o Teatro da Vertigem iniciou a sua pesquisa em 2004 em busca da nova peça da companhia, o espetáculo BR-3.

O Teatro da Vertigem notabilizou-se por apresentar suas peças em espaços que fogem ao convencional. O espaço utilizado pode ser hora uma igreja (Paraíso Perdido, 1992), um hospital (O Livro de Jó, 1995) ou um presídio (Apocalipse 1:11, 2000). Antonio Araújo, diretor do grupo, acredita que a força dramática de seus espetáculos residem na potencialidade que os espaços inusitados trazem à encenação. Além disso, a forma como ele divide a autoria dos espetáculos com seus atores, dramaturgos e demais criadores merece destaque. O processo de criação é marcado por longas fases de pesquisa que servem de laboratório de experimentação para toda a equipe.

O mais recente trabalho do Teatro da Vertigem – BR-3 – foi o resultado uma extensa verificação dos pontos que marcam a identidade ou a não-identidade nacional de três lugares distintos, porém unidos por um mesmo radical – “BR”. Brasilândia, bairro periférico da cidade de São Paulo foi o primeiro local escolhido pelo grupo. Nesta localidade os artistas entraram em contato com a comunidade e tentaram entender como esses moradores se sentiam em relação à uma identificação nacional. O que pode ser percebido é que há um grande sentimento de não pertencimento por parte daquela comunidade num conceito macro de cidadania. Os habitantes desta comunidade sequer possuíam a noção de periferia, quiçá o de identidade nacional. Os artistas que se deslocaram para Brasilândia propuseram oficinas artísticas para os moradores com o intuito de tentar se inserir no pensamento e na vivência desta comunidade.

Bernardo Carvalho, dramaturgo do Vertigem, relata em seu texto “ Eu vivo neste mundo” o contato feito por ele, dentro da proposta de vivenciar o dia-a-dia de Brasilândia. A Bernardo coube a tarefa de visitar uma igreja evangélica local. Sua incumbência acabou culminando em uma das cenas mais interessantes de BR-3. Carvalho relata que ao entrar na tal igreja com a finalidade de apenas observar o culto e analisar o comportamento dos freqüentadores, acabou se envolvendo em uma situação inusitada. Ele acaba como o único espectador presente à celebração e é coagido de forma agressiva pelo pastor e a evangelista a se converter à religião.

“(…) Sempre achei que as igrejas evangélicas tinham vingado no Brasil por terem assumido o vácuo deixado pelo Estado entre os chamados excluídos. Nunca tinha me passado pela cabeça que a estratégia é a do medo e da coersão, a mesma usada pela igreja católica em meio a barbárie da Idade Média, sendo que agora nem precisava haver religiosidade. Quem entra em busca de acolhimento espiritual é recebido com ameaças. Do lado de fora estava ruim? Seja bem-vindo, aqui dentro não é diferente.
Eu estava irredutível. O pastor apelou: “Deus criou a autoridade. Não basta obedecer à polícia lá fora. Tem que obedecer ao pastor e à evagelista aqui dentro, representantes da autoridade de Deus”. Ou seja: este é o mundo do terror em que você sobrevive acuado entre a autoridade do tráfico, da polícia e da igreja. “Contra essas coisas não há lei.” Nem a quem recorrer.
Já fazia mais de uma hora que eu estava ali. O pastor me mandou fechar os olhos de novo. Me levantei e saí, enquanto ele praguejava:”Você não pode sair. Não fez a oferta!”.(…)”

O segundo passo do trabalho do Teatro da Vertigem foi percorrer, durante quarenta dias e mais de quatro mil quilômetros de estrada, cruzando o país unindo o três pontos investigados. O fim da jornada se deu em Brasiléia, cidade no interior do estado do Acre, fronteira com a Bolívia. Nesta localidade a trupe do Vertigem pode conhecer uma das regiões mais híbridas do país no que se refere à identidade cultural, tanto religiosa, quanto na língua esta região resiste a uma identidade estável. O ponto alto da viagem culmina no Centro Daimista Santo Alto de mestre Irineu, onde os atores e técnicos da equipe participaram de uma cerimônia do Daime.

Na passagem por Brasília, o destaque ficou por conta do que Bernardo Carvalho apontou como “ Disneylândia mística”. Isso porque a cidade é pontuada pela diversidade religiosa e por abrigar inúmeras seitas que cultuam desde a deusa greco-romana Diana até a mistura de candomblé com cultos indígenas.

Deste caldeirão de experiências ecléticas nasce a dramaturgia de BR-3. O local escolhido para a encenação, até mesmo para não fugir à característica do Vertigem, foi o leito do, poluído, rio Tietê em São Paulo. Sílvia Fernandes em “Cartografia de BR-3” a esse respeito aponta:

“(…) a ocorrência simultânea de diversas cidades no mesmo espaço urbano, procedimento que a dramaturgia de Bernardo Carvalho acentua no texto de BR-3 e a direção de Antonio Araújo intensifica no Tietê, ao criar uma espécie de heterotopia no percurso espetacular, justapondo uma série de lugares estranhos uns aos outros, estranhamento potencializado pela deterioração do rio. Brasília associada ao monumental e aos viadutos, Brasilândia abrigada sob as pontes e Brasiléia dispersa nas margens são espaços heterodoxos, forçados a conviver no mesmo leito-estrada, e absolutamente outros em relação às cidades reais a que se referem e de que falam. Filtrados pelo olhar coletivo e deformados por essa modalidade contemporânea de representação, fragmentária e explodida, tornam-se lugares de “desvio”, irreconhecíveis em sua identidade original.(…)”


O ROTEIRO DE BR-3

Temporada carioca de BR-3. Riocenacontemporânea 2007.


Jovelina, grávida de um filho, deixa o Nordeste para procurar o marido que trabalha na construção de Brasília, em 1959. Ao saber de sua morte no canteiro de obras do Congresso Nacional, e a conselho de uma médium local, Zulema Muricy, embarca em um ônibus com destino a São Paulo. Muda de vida e de nome, e em dez anos passa a ter o comando do tráfico no bairro da Brasilândia, agora sob o pseudônimo de Vanda. Tem dois filhos que se envolvem amorosamente em uma relação incestuosa, Helienay e Jonas, herdeiro dos negócios da mãe. Convertido por Evangelista, Jonas passa a ser membro da igreja local e se casa com uma fiel, com quem tem dois filhos, Patrícia e Douglas. Em 1980, Vanda é assassinada, em uma disputa familiar a mando do Dono dos Cães, um antigo policial interessado no controle da área e agora amante de Helienay. Jonas é preso e mantido no cárcere pelo pastor do bairro, comparsa do ex-policial, que lhe revela o destino da mãe e a suposta morte dos filhos em um incêndio criminoso, parte da mesma ação de extermínio de sua família, planejada para evitar uma possível vingança. No entanto, Evangelista descobre o cativeiro de liberta Jonas. Sem saber que os filhos foram salvos, ele parte para uma longa viagem pelo país e funda uma seita em um seringal nas proximidades de Brasiléia. Em 1997, dezessete anos depois de ser adotado e criado no estrangeiro, Douglas volta a Brasilândia à procura da família. Orientado pela Evangelista, parte em busca do pai na fronteira do Acre. Quarenta dias depois, sua irmã Patrícia foge de um reformatório e é forçada a cuidar de Helienay, agora drogada e decrépita, de quem ouve sua própria história. Ao saber da identidade de Patrícia, o Dono dos Cães, que tomara conhecimento das intenções de Douglas, decide matá-lo usando a irmã como instrumento. Convence a menina, que não o conhece de que o Dono dos Cães foi para a fronteira com o propósito de matar seu pai. Patrícia não sabe que o suposto matador é, na verdade, seu irmão Douglas. O reencontro de Douglas com os filhos é o desfecho da trama.



VISÃO PESSOAL DE BR-3



Os viadutos paulistas convertidos em Congresso Nacional.


Era uma noite fria de domingo na capital paulistana e estávamos lá, em frente ao Memorial da América Latina, no bairro da Barra Funda em São Paulo, um grupo de cerca de 100 pessoas a espera dos ônibus da produção do Teatro da Vertigem que nos levaria até o local da encenação da mais recente peça da trupe, BR-3. A expectativa era grande afinal, não é sempre que se tem a oportunidade de assistir a um espetáculo dentro do rio mais poluído do país, o rio Tietê.
Aquela seria uma oportunidade única, pois seria a última apresentação de BR-3 em São Paulo, pois a produção não tinha condições de continuar a se apresentar no Tietê devido a problemas técnicos e orçamentários para manter a encenação.

O ônibus chegaram pontualmente no horário marcado. Embarcamos e a tensão aumentou, isso porque não sabíamos direito de como seria assistir a uma peça de teatro dentro de um rio. Teríamos que colocar os pés na água? Sentaríamos na margem do rio?
E a sujeira? E a poluição? O odor? Tudo isso passava pela minha cabeça no trajeto.
Chegamos em um pátio, no que parecia ser o local da administração do rio. Era um local deserto e escuro. Não dava para enxergar muita coisa.Descemos do ônibus e fomos “ abandonados” ali naquele local. Alguns minutos ali parados sem saber para onde ir e em seguidas escuto tiros ao que parece de revólver. Seria esse o início da peça? Como morador da cidade do Rio de Janeiro, a pergunta não me pareceu tão estapafúrdia. Para minha sorte era sim a apresentação começando. Fomos então encaminhados para uma embarcação que estava ancorada em um pequeno cais por uma mulher que se vestia tal qual uma executiva, ao menos era o que me parecia. Mais tarde fiquei sabendo que se tratava da personagem Evangelista. Entramos no barco e nos acomodamos nas cadeiras, mas isso era algo que seria impossível de fazer, se quiséssemos acompanhar a peça no seu todo.
As cenas ocorriam em todos os lugares. Na parte de frente do barco, nas laterais, no fundo e fora do barco, lógico.
As cenas eram todas conduzidas por um barqueiro em uma lancha que servia de “guia” para nossa embarcação. A cada nova cena, éramos posicionados em um novo cenário que se multiplicavam ao longo do rio. Fazíamos, ao meu ver, uma espécie de via crucis, pois a sensação que se tinha era a de estarmos passando por estações semelhantes às vividas na paixão de Cristo. Visualmente, os cenários eram muito bonitos, mesmo construídos com materiais simples, se encaixavam perfeitamente à encenação. Tudo contribuía para a grandiosidade da peça. Concordo com Sílvia Fernandes que diz em seu texto Cartografia de BR-3. Ela afirma que os detritos e a deterioração do Tietê, potencializam a ação dramática. É impossível ficar indiferente, em todos os aspectos, quando se está dentro do rio mais fétido e poluído do país. Tudo incomoda, até para narizes menos sensíveis o odor acaba por te incomodar em algum momento e esse elemento só reforça o clima que o Teatro da Vertigem quer instalar em seus espectadores. Mas mesmo assim, há algo de poético neste ambiente de degradação.
Outro dado que me foi extremamente marcante, foi a habilidade do ator que representava o barqueiro. Isto porque além de atuar, ele ainda tinha que se preocupar com a condução da embarcação.
Fiquei muito grato pela oportunidade de experienciar algo tão diferente do cotidiano teatral, O Teatro da Vertigem conseguiu fazer com que nos descolássemos do fato de estarmos dentro do rio Tietê e, através da sua montagem, nos transportar entre as três BRs. Mostra de competência e de Teatro contemporâneo da melhor qualidade.

Desembarque ao fim da apresentação de BR-3. Rio Tietê, São Paulo. Maio de 2006.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



CARVALHO, Bernardo de. Eu vivo nesse mundo. Teatro da Vertigem : BR-3. Org. Roberto Audio e Silvia Fernandes. São Paulo. Perspectiva, 2006.

FERNANDES, Silvia. Cartografia BR 3. Teatro da Vertigem : BR-3. Org. Roberto Audio e Silvia Fernandes. São Paulo. Perspectiva, 2006.

FERNANDES, Silvia. Notas sobre dramaturgia contemporânea. Teatro contemporâneo e narrativas. Revista O percevejo. Ano 8. N.9, 2000. Departamento de teoria do teatro, PPGT, Unirio.